Argos, de olhos postos nos céus, gemia; pela cara abaixo rolavam-lhe caudais não só de água, mas também (como vim a saber depois) de lágrimas. «Argos», gritei-lhe, «Argos!».
Então, com mansa admiração, como se acabasse de descobrir uma coisa perdida e esquecida há muito tempo, Argos balbuciou estas palavras: «Argos, cão de Ulisses.» E a seguir, também sem me olhar: «Esse cão atirado para o esterco.»
Nós aceitamos facilmente a realidade, talvez por intuirmos que nada é real. Perguntei-lhe o que conhecia da Odisseia. A prática do grego era-lhe penosa. Tive de repetir a pergunta.
«Pouquíssimo», disse ele. «Menos que o mais pobre dos rapsodos. Já deverão ter passado mil e cem anos desde que a inventei.»
(Excerto de O Imortal, in O Aleph, Jorge Luis Borges)
o génio.